domingo, 25 de março de 2012

O menino que carregava água na peneira

.

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino 
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira 
era o mesmo que roubar um vento e sair 
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

 A mãe disse que era o mesmo que 
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino 
gostava mais do vazio 
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores 
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino 
que era cismado e esquisito 
porque gostava de carregar água na peneira
.
Com o tempo descobriu que escrever seria 
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu 
que era capaz de ser 
noviça, monge ou mendigo 
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro 
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor! 
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. 

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os
vazios com as suas 
peraltagens
e algumas pessoas 
vão te amar por seus 
despropósitos.

[Manuel de Barros]

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