quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sabe-se.

.
(...)
Só deu uma mordida e depositou a maçã na mesa. Porque alguma coisa desconhecida estava suavemente acontecendo. Era o começo - de um estado de graça.

Só quem já tivesse estado em graça poderia reconhecer o que ela sentia. Não se tratava de uma inspiração, que era uma graça especial que tantas vezes acontecia aos que lidavam com arte.

O estado de graça em que estava não era usado para nada. Era como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existia. Nesse estado, além da tranquila felicidade de pessoas lembradas e de coisas, havia uma lucidez que Lóri só chamava de leve porque na graça tudo era tão, tão leve. Era uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Que não lhe perguntassem o que, pois só poderia responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.

Também era bom que não viesse tantas vezes quantas queria: porque ela poderia se habituar à felicidade. Sim, porque em estado de graça se era muito feliz. E habituar-se à felicidade seria um perigo social.

[Clarice Lispector - Uma Aprendizagem Ou O Livro Dos Prazeres]

domingo, 14 de novembro de 2010

Um exemplo de Dom.

.
Dons.
É inquestionável que as pessoas possuem dons.
Ainda não pensei sobre adquirir dons.
Só sobre nascer com eles.
Ser eles sem esforços.
A arte de escrever e descrever sentimentos é um dom Grande.
Bem grande, pra mim.
Me fascina.
Me emociona e me cativa de uma maneira bonita.
É bonito fazer o outro ser tocado pelas palavras.
As palavras podem gritar por lembranças ou pelo futuro que se deseja.
É bonito fazer o outro querer ser ou sentir algo que lê.
Que talvez não seja.
Que talvez não sinta, mas quer.
Esses são os Dons.
Os Dons.
.
Antes de qualquer coisa não pense que isso é um mérito seu, não te esquecer foi minha escolha. Honro minhas lembranças, não desprezo o tempo que dediquei para alguém, não ignoro os poemas que li, não esqueço os sonhos que tive. Na verdade, não tem nada a ver com você, tem a ver com nós. Eu e você separados somos planos diferentes.

Se isso te faz feliz, não irei te esquecer. Não irei jogar pela janela os minutos que construi olhando para você, nem vou apagar tua voz abafada debaixo das cobertas das madrugadas, não vou trocar a cor da sala que escolhemos, não vou mudar os móveis de lugar para tentar acabar com o espaço que sobrou na sua ausência.

Quando penso em você quase nada abala. Dói mais quando penso em nós. E quando penso em nós ainda te amo, por isso não vou trocar teu nome seguido de amor no telefone, pois ainda me incomoda a possibilidade de que encontre alguém melhor, porque ainda me desconcerta a idéia que você possa se abrir para outra pessoa. Mantenho seu nome entre meus favoritos, ainda seu sobrenome assina com o meu no final.

Você parou para pensar que tínhamos quase tudo para sermos felizes? Mas quase ainda era muita coisa na nossa história. O quase incluía o descuido, a pressa, os outros compromissos menos necessários, nunca lembramos da velha frase de que o urgente não é o mais importante. A culpa não foi minha, não foi sua. A culpa foi nossa, veio depois, veio quando não entendemos que estavámos juntos não para dividir, mas para somar.

A felicidade brilha, resplandece no vocabulário. Tem lugar garantido no dicionário, nos sonhos, nos projetos de vida. Sempre pensamos na felicidade como um dia, e não no dia em que nos encontramos e a paixão nos dilacerou. A gente esquece do valor das coisas. Mas eu não vou te esquecer, uma conquista deve ser guardada, pode ser uma pessoa inteira, pode ser um minuto em que os olhos se cruzaram. Cada um sabe o que é valioso para si.

O que conquistei de você me pertence.


[Cáh Morandi] - via www.umolharparasentir.blogspot.com

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Trocando Delicadezas.

.
É fácil morrer. A toda hora, em todos os lugares, a morte está se oferecendo. Mais difícil é continuar vivendo. Eu continuo. Não sei se gosto, mas tenho uma curiosidade imensa pelo que vai me acontecer, pelas pessoas que vou conhecer, por tudo que vou dizer e fazer e ainda não sei o que será. (…) Mas gosto, gosto das pessoas. Não sei me comunicar com elas, mas gosto de vê-las, de estar a seu lado, saber suas tristezas, suas esperas, suas vidas.

[Caio Fernando Abreu]

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

e delicadezas

.
Tenho sentido que inúmeras vezes nasci e renasci. É como se todos os dias alguém que até ontem era estranho pra mim, hoje fizesse todo sentido e tomasse o meu lugar. A vida é um quebra cabeça, mas nem todas as peças se encaixam no momento em que surgem, por isso, algumas nos são entregues pelas mãos do tempo. Preencher nossos espaços vazios não é o suficiente, cada lacuna ocupada em nós deve fazer sentido. É bom ser refeito e entender estas mudanças. Nossa largueza é infinita e somos moldados diariamente por nossas tristezas, alegrias, frustrações e delicadezas. Somos de barro e são nossas vivências que nos dão a forma exata.

[Fernanda Gaona] - via www.deliriosesuspiros.blogspot.com

domingo, 7 de novembro de 2010

"Achei Deus de uma grande delicadeza."

.
(...) Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos, tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.

[O Milagre das Folhas - Clarice Lispector]

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobre Detalhes.

.
Ah, como são Adoráveis.
E irritantes.
Os Detalhes.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Céu.

.
Será que eu já posso acordar?
Ter esse mesmo delírio todos os dias.
Cansa; sabia?
O cansaço tá gigantesco.
E tão próximo.
Sinto o peso dele em mim.
Mas dormindo não se pode fazer nada.
Quero espantá-lo.
Mandar embora esses devaneios.
Mas, Como?
Preciso abrir os olhos.
Parar de sonhar besteiras.
De criar realidades irreais.
É besteira, né?
Não me olhe assim, é irreal; não é?
(...)
Esqueci.
De olhos fechados não vejo você.
Durmindo não escuto suas respostas.
Acredito no que eu sinto, então.
São besteiras.
Não é a realidade.
Ufa.
Um dia eu abro os olhos.
E tudo isso vai passar.
.
Sempre, pra você: "Toda a minha saudade, e o meu amor de sempre."