quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sabe-se.

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Só deu uma mordida e depositou a maçã na mesa. Porque alguma coisa desconhecida estava suavemente acontecendo. Era o começo - de um estado de graça.

Só quem já tivesse estado em graça poderia reconhecer o que ela sentia. Não se tratava de uma inspiração, que era uma graça especial que tantas vezes acontecia aos que lidavam com arte.

O estado de graça em que estava não era usado para nada. Era como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existia. Nesse estado, além da tranquila felicidade de pessoas lembradas e de coisas, havia uma lucidez que Lóri só chamava de leve porque na graça tudo era tão, tão leve. Era uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Que não lhe perguntassem o que, pois só poderia responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.

Também era bom que não viesse tantas vezes quantas queria: porque ela poderia se habituar à felicidade. Sim, porque em estado de graça se era muito feliz. E habituar-se à felicidade seria um perigo social.

[Clarice Lispector - Uma Aprendizagem Ou O Livro Dos Prazeres]

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