sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Simplesmente simples.

.

Os relacionamentos seriam mais fáceis se usássemos menos desculpas. Nunca falamos o que queremos.

Para disfarçar os nossos defeitos. Para fingir que somos melhores do que realmente somos.  Escondemos do outro aquilo que temos vergonha.

Eu não estaciono em balizas, num espaço apertado entre carros. Nunca será. A única vez que fiz isso foi na autoescola e já foi o suficiente.

Só estaciono em esquinas.

Ao levar meu filho Vicente para escola costumava enfrentar o mesmo constrangimento na hora de estacionar.

Quando chegávamos, procurava – devagar - um lugarzinho.

Meu filho gritava:

— Ali, pai, tem uma vaga...
— Não, é muito pequena.

— Ali, pai, tem outra vaga...
— Que pena, agora eu passei.

— Ali, pai, achei mais uma vaga...
— Não quero pagar flanelinha.

E assim estacionava lá longe da escola e tínhamos que caminhar a pé, como se fossemos acampar.  Eu mentia para meu filho.

Sempre criava justificativas para não ser direto e objetivo e descer logo.

Não confessava minha incompetência, meu medo, minha fobia.

Abandonava seu olhar no vácuo. Repetia dia após dia o jogo cansativo de explicações e evasivas.

Um dia me irritei quando ele me apontou mais uma vaga do tamanho de uma colheitadeira.
— Filho, eu não sou bom em estacionar entre dois carros, só estaciono em esquina.

O guri ficou aliviado e feliz. Aceitou na boa a minha dificuldade. Entendeu. E passou a gritar:

— Olha, pai, uma esquina!

Parece que ele me ama mais quando pode me ajudar.

Desabafar os medos - e não ser invencível - é educar os filhos.

[Fabrício Carpinejar]

domingo, 12 de agosto de 2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

sobre e-mails que brilham o dia.

.

Mês passado participei de um evento sobre as mulheres no mundo contemporâneo. 
Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.
E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. 
Foi um momento inesquecível... A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito. Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'. Onde, não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'..
Estão todos em busca da reversão do tempo. Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas, mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se 'mudança'.
De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.
Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos. Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional.
Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar. Olhe-se no espelho... 

[Lya Luft]