quinta-feira, 21 de outubro de 2010

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"Na primavera anterior, David havia proposto a seguinte louca solução para os nossos problema, só meio brincando:
- E se a gente simplesmente reconhecesse que nosso relacionamento é ruim, e mesmo assim ficasse junto? Se admitisse que a gente enlouquece um ao outro, que está sempre brigando e quase nunca transa, mas não consegue viver um sem o outro, por isso aguenta tudo? Dai a gente poderia passar o resto da vida inteira junto... infelizes, mas felizes por não estarmos separados.
Que o fato de eu ter passado os últimos dez meses considerando seriamente essa proposta seja um testemunho de como eu amo desesperadamente esse cara.
A outra alternativa que ainda não havíamos descartado, é claro, é que um de nós pudesse mudar. Ele poderia se tornar mais aberto e mais afetuoso, sem se afastar de qualquer pessoa que o amasse por medo que ela fosse lhe devorar a alma. Ou eu poderia aprender a... parar de devorar a alma dele.
(...)
Então eu escrevo um e-mail pra ele.
Eu lhe digo que espero que ele esteja bem e que estou bem. Faço algumas brincadeiras. Sempre fomos bons de brincadeiras. Em seguida, explico que acho que precisamos pôr um ponto final nesse relacionameto. Que talvez seja hora de reconhecer que nunca vai dar certo, que não é pra dar certo. O tom não é excessivamente dramático. Deus sabe que já houve drama suficiente entre nós. A mensagem é curta e simples. Mas há mais coisa que preciso acrescentar. Prendendo a respiração, escrevo: "Se você quiser procurar outra pessoa na sua vida, é claro que eu lhe desejo tudo de bom." Minhas mãos estão tremendo. Assino com "um beijo", tentando manter o tom mais descontraído possível.
Tenho a sensação de que alguém acaba de golpear meu peito com um bastão.
Não durmo muito essa noite, imaginando-o a ler minhas palavras. Durante o dia seguinte corro algumas vezes até o cybercafé à procura de uma resposta. Estou tentando ignorar aquela parte de mim morta de vontade de que ele responda: "VOLTE! NÃO VÁ EMBORA! EU VOU MUDAR!" Estou tentando ignorar a menininha dentro de mim que abriria mão alegremente de toda essa ideia grandiosa de viajar pelo mundo em troca apenas das chaves do apartamento de David. Mas, por volta das dez horas da noite, finalmente recebo minha resposta. Um e-mail maravilhoso, é claro. David sempre escreveu lindamente. Ele concorda que, sim, é hora de finalmente dizermos adeus para sempre. Diz que ele próprio vem pensando mais ou menos a mesma coisa. Não poderia ter sido mais gentil em sua resposta, e compartilha seus próprios sentimentos de perda e arrependimento com aquele intenso afeto que algumas vezes ele era tão comoventemente capaz de atingir. Ele espera que eu saiba o quanto ele me adora, e que não consegue sequer encontrar palavras para expressar isso. "Mas a gente não é o que o outro precisa", diz ele. No entanto, ele tem certeza que eu algum dia vou encontar um grande amor na vida. Ele tem certeza disso. Afinal, ele diz, "beleza atrai beleza".
E isso, de fato, é uma coisa muito linda de se dizer. E é praticamente a melhor coisa que o amor da sua vida poderia dizer, quando não está dizendo: "VOLTE! NÃO VÁ EMBORA! EU VOU MUDAR!"
(...)
É David. Eu agora o perdi."


[Trecho de Comer Amar Rezar - Elizabeth Gilbert]

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